Notícias

Aulas invertidas são muito mais eficientes e inclusivas

31/08/2017 14h13 | Atualizado em: 31/08/2017 14h25

No Brasil a educação ainda é organizada de forma tradicional

O modelo tradicional de ensino, hoje tão criticado não somente no Brasil, está calcado num método simultâneo (alunos enfileirados em classe), que poderia ser, de forma inteligente, agregado a outros métodos, como o mútuo (alunos de destaque ajudam demais alunos) e o individual (professor atende um aluno por vez).

De qualquer forma, independentemente de como os métodos acima sejam agregados, há outro avanço importante que já deveria ter sido tomado nas escolas brasileiras: a  “aula invertida” (flipped classroom), método utilizado em algumas das mais respeitadas universidades do mundo, inclusive no Brasil, há um bom tempo.

O modelo tradicional de ensino, que se concretizou no século XIX, é o expositivo e impositivo. Buscava-se educar o máximo de pessoas por meio de exposições a grupos, impondo-lhes o conhecimento e as normas que deveriam ser respeitadas. Era uma educação em conformidade com o período da Revolução Industrial. Precisava-se do máximo de trabalhadores minimamente educados para executar as tarefas repetitivas que lhes eram imputadas, cumprindo as regras impostas pelos que mandavam.

A consolidação desse método de ensino por monólogo de um professor data, contudo, pelo menos da criação das universidades na Europa Ocidental no século XI e do método dos jesuítas empregado ao longo da Idade Média na Europa e, mais tarde, no Brasil colonial.

O ensino realizado na Grécia Antiga, por outro lado, naquela que foi talvez a civilização mais sábia de toda a história terrena, se dava por meio de diálogos, repletos de reflexões e apresentação de questões tanto pelos mestres quanto pelos discípulos.

O ensino de palestra, por meio do qual o professor fala por dezenas de minutos para os alunos, ainda que com espaço para perguntas, é cansativo, desmotivador, pouco capaz de identificar grandes qualidades e deficiências de cada educando, menos apto à memorização do conhecimento, apesar de focado nesse aspecto, dentre vários outros problemas.

Em 1993 – há 24 anos, portanto – o professor Alisson King, associado da Universidade do Estado da Califórnia em São Marcos, publicou um artigo seminal que causou impacto nos Estados Unidos. Ele lembrava que o ensino tradicional de transmissão de informação seria insuficiente para que os alunos pudessem lidar com os problemas complexos do século XXI, que ainda estava por se desvelar.

King lembrava que conhecimento não se transmite, mas apenas a informação. O modelo tradicional, amplamente adotado no Brasil até hoje, visa lançar informação sobre os alunos, que frequentemente não prestam atenção, ou, quando prestam, absorvem pouco, ou, quando conseguem absorver mais, o fazem porque anotaram o que o professor dizia, exercendo um aprendizado um pouco mais ativo, que, como está multiplamente provado, é mais eficiente do que o passivo.

Em texto anterior, demonstramos que são vastos os estudos comprovando cientificamente a eficiência das discussões filosóficas em termos de aprendizagem mais ativa (active learning), em lugar das exposições maçantes sobre a vida dos filósofos e seu pensamento, com muitas abstrações e poucas interconexões com a vida prática dos alunos.

Para além das discussões filosóficas, a aprendizagem ativa de um modo geral também já foi bastante testada e se mostra bem mais eficiente do que aquela mais tradicional, de caráter fortemente passivo. Os resultados de alunos submetidos a técnicas de aprendizagem ativa superam em muito aqueles apenas submetidos à aprendizagem passiva.

O professor do modelo tradicional seria, segundo King, um “sage on the stage”, ou seja, um suposto “sábio no palco”, que despejava informação a alunos passivos e pouco atentos. Mais tarde, a memorização do conhecimento seria testada numa prova, respondida muitas vezes por mero exercício de memorização superficial realizado alguns dias antes dela, quando não no mesmo dia, sendo boa parte do conteúdo esquecido logo em seguida.

Apesar do grande aumento de eficiência que provoca, a “aula invertida” não é nenhuma grande ciência. É simples. Como o nome indica, consiste em inverter o processo de aprendizagem, fazendo com que os alunos estudem antes das aulas, chegando a elas já com as informações dos materiais didáticos que são hoje expostas pelos professores em sala.

Em vez de ouvir aquilo que já está no material, os alunos processam as informações já extraídas e inicialmente digeridas por meio de um estudo prévio que, se bem direcionado, já pode ser muito mais produtivo do que muitas aulas que vemos por aí.

Os alunos recebem, então, indicação de livros, artigos, filmes, matérias de jornais, sites etc. para estudo prévio e preparação para aula. Um questionário com perguntas sobre os principais tópicos ajuda a focar no que é mais importante, porém pode também fazer o aluno deixar todo o resto de lado e apenas se preocupar com a resposta das questões.

Parte considerável da nota final dos alunos pode ser formada de acordo com a qualidade, e não somente quantidade, da sua participação em sala de aula, estimulando-os a chegar em sala com boas dúvidas e comentários, mas deve-se ensiná-los a não participar forçadamente da aula apenas para se destacar e obter melhor nota. Esse já é um exercício importante para a vida: saber quando se colocar, participar para agregar ao todo, e não por vaidade ou interesse em um resultado pessoal.

Em vez de um suposto "sábio no palco", na "aula invertida” o professor se torna um amigo mais experiente, um monitor que dirige o debate e que faz apontamentos de maior profundidade, estimulando discussões sadias, tirando dúvidas etc. Assim, aproveita-se o tempo da aula para aprofundamento, para participação bastante ativa dos alunos, não os deixando em passividade, em desatenção.

Em lugar de alunos cansados, desmotivados muitas vezes por não conhecerem nada sobre o assunto e julgarem-no enfadonho à primeira vista, observa-se que, na "aula invertida", eles se sentem mais seguros, motivados por terem em suas mãos as rédeas do processo de construção do conhecimento, por já saberem um pouco do tema e terem se aprofundado naquilo que mais lhes interessou.

Em vez de as provas cobrarem respostas memorizadas, elas podem ser muito mais críticas, reflexivas, permitindo, às vezes, até mesmo o uso de material de apoio, pois seu foco deixa de ser as informações em si e passa a ser a capacidade crítica de entrelaçá-las com a vida prática de modo a extrair delas decisões comportamentais sábias.

Outros meios de avaliação, como apresentação de artigos, monografias e apresentação em classe, podem ser utilizados para estimular o educando a desenvolver pesquisa, processar o conhecimento e expô-lo, somando-se as notas àquelas das participações em sala, tão ou mais importantes do que as avaliações.

Esse método tem sido usado no Brasil por professores de USP, PUC/SP, Presbiteriana Mackenzie e outras universidades. Há muitos anos, a maior parte dos professores da Universidade de Harvard (Estados Unidos), da British Columbia (Canadá) e de outras importantes instituições estrangeiras vêm empregando o método da “aula invertida” com alta comprovação de aumento de presença em sala e do aprendizado.

Uma iniciativa na British Columbia, que contou, inclusive, com participação do vencedor do Prêmio Nobel de Física em 2001, Carl Wieman, hoje professor de Stanford (Estados Unidos), revelou significativo aumento de presença, de participação em sala e do rendimento dos alunos nas avaliações.

Segundo estudos realizados em escolas do ensino médio de Michigan, o desempenho dos alunos melhorou muito com o uso do método da "aula invertida". Escolas antes avaliadas entre as piores do estado tiveram um grande progresso.

Há diversos métodos para concretizar a aula invertida. Tem-se utilizado muito a tecnologia para tornar o processo mais prático e eficiente, mas a escolha das técnicas deve variar de acordo com cada cenário, ou seja, com as possibilidades da instituição de ensino, dos educadores e dos educandos. Como é natural, nem sempre o que funciona em um local terá êxito em outro.

Alguns professores têm gravado pequenos vídeos, de 5 a 15 minutos, sobre cada tema da aula, para que os alunos assistam antes, deixando o espaço em sala apenas para debates, apresentações dos alunos e aprofundamentos.

Esse modelo se tornou célebre com a ajuda dos professores americanos Jon Bergman e Aaron Sams, que têm se dedicado às aulas invertidas há pelo menos uma década e criaram a empresa Flippedclass.com, por meio da qual divulgam mundialmente o método e suas técnicas.

Outra hipótese, que vem sendo empregada, por exemplo, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, é os alunos fazerem pequenos testes semanais pela internet, valendo uma pequena parte da nota, nos quais eles precisam responder a questões relativas ao conteúdo a ser discutido na sala de aula na semana seguinte. Assim, precisam estar estudando rotineiramente antes de cada aula.

No ano de 2000, os professores americanos de Economia Maureen Lage, J. Platt e Michael Treglia publicaram um importante artigo intitulado “Inverting the classroom: a gateway to creating an inclusive learning environment” (Invertendo a sala de aula: um portal para criar um ambiente de aprendizado inclusivo”), por meio do qual demonstram, baseados em outros autores e em evidências empíricas, que a aprendizagem aumenta muito quando o método de ensino se casa com as habilidades de aprendizagem do aluno.

Em outras palavras, o estudo comprova, sugerindo a utilização da aula invertida, que os indivíduos têm múltiplas inteligências e algumas mais desenvolvidas do que as outras, de modo que o uso de diferentes métodos e técnicas de ensino dá mais garantias de que mais alunos poderão construir conhecimento e desenvolver suas diferentes habilidades.

A aula invertida, que pode ser, como visto, pautada em diferentes métodos, é uma ferramenta poderosa para desenvolver as múltiplas inteligências e que as leva em conta para um processo de aprendizagem bem mais eficiente, abrangente e inclusivo.

Fonte: Carta Capital